sábado, 16 de maio de 2009

UMA MÁFIA QUE ATUA A MUITOS ANOS EM HOSPITAIS E AS AUTORIDADES NADA FAZEM - DE QUEM É A RESPONSABILIDADE?

REVISTA ISTO É - Edição 2062 - 20 MAI/2009

Tráfico de órgãos

Falta de fiscalização em IMLs e hospitais facilita ação de máfia e alimenta o comércio clandestino que vende até cadáver inteiro

Alan Rodrigues


O enfermeiro A.L. teve o órgão de um de seus familiares supostamente roubado em um hospital municipal em São Paulo. A.L. denunciou o caso à polícia e hoje vive com medo de ser perseguido. Por isso, não permite ser fotografado e se esconde atrás de suas iniciais. Ele viveu um drama típico de roteiro de cinema. Mas sua história é real. Faz parte de um escândalo que foge ao controle das autoridades brasileiras. Os fatos: passava pouco mais das 5h da madrugada de 14 de maio de 2008 quando o enfermeiro, acompanhado de sua tia M.R.S., entrou no necrotério do Hospital Municipal do Tatuapé, para o reconhecimento e preparação do corpo de sua avó Adelina Ribeiro dos Santos, falecida naquele centro médico, horas antes, em decorrência de necrose de alças intestinais, septicemia e falência múltipla dos órgãos. Próximo ao local, A.L. observou que a sala estava com a porta entreaberta e que lá dentro, além de dois cadáveres expostos em duas mesas lado a lado, outras duas pessoas vestidas com jalecos brancos movimentavam os corpos. Ao chegar perto, o enfermeiro constatou que a equipe médica, que estava no local, e que não era do quadro de funcionários do hospital, retirava o globo ocular de sua avó. "Na hora que olhei para minha avó, vi que seus órgãos estavam sendo roubados", conta. "Ela não era doadora. Mesmo se fosse, morreu de infecção generalizada e seus órgãos não podiam ser transplantados", lembra. De imediato, A.L. mandou que as duas mulheres parassem o que faziam, chamou a polícia e não deixou que ninguém abandonasse o local.

LUCRO Criminosos movimentam por ano de US$ 7 milhões a US$ 12 milhões no mundo


DENÚNCIA "Na maioria dos casos, os traficantes comercializam na internet", diz maria Elilda Santos

Na verdade, o enfermeiro já havia ouvido a acusação de que aquele mesmo hospital público tinha sido denunciado, em 2007, pelo Conselho de Enfermagem de São Paulo, ao Ministério da Saúde, como um local onde ocorriam retiradas ilegais de córneas.

A confusão levou o enfermeiro, sua tia e as duas mulheres, identificadas como funcionárias do Banco de Olhos de Sorocaba - o maior do Brasil -, para a delegacia. Diante do delegado, as funcionárias alegaram que extraíram do cadáver errado os tecidos oculares.


"Foi um erro, uma troca acidental. Assumimos isso diante da polícia", admite Edil Vidal de Souza, superintendente do Banco de Olhos. O Ministério Público de São Paulo não concordou que tudo se resumiu a uma falha de procedimento. "A remoção do globo ocular do corpo de Adelina desobedeceu, de forma intencional, todas as normas vigentes", diz o promotor Roberto Porto. "Não há como alegar engano na identificação dos corpos", completa. Agora, passado um ano, a Justiça paulista, de forma inédita, aceitou a denúncia dos promotores do Grupo Especial de Repressão ao Crime Organizado (Gaeco) contra o Banco de Olhos pela prática de crime de retirada de órgãos sem a autorização da família e marcou o julgamento para novembro. "A doação é louvável e importantíssima para salvar outras vidas, mas o governo tem de criar controles mais rígidos para fiscalizar as captações de órgãos", entende Porto. Segundo a direção do Hospital do Tatuapé, eles só cedem o espaço físico ao Banco de Olhos e nada têm a ver com a captação de órgãos.

Estas irregularidades não são exclusividade do Estado de São Paulo. A freira Maria Elilda Santos que coordena a ONG Organ Traffic, ligada à Igreja Católica, que combate o tráfico de órgãos no Brasil e na África, já tinha alertado as autoridades brasileiras sobre a atuação desse suposto esquema criminoso. "Nenhum doador sabe se de fato seus órgãos foram para quem está na fila de transplante", diz Elilda. Pior: ela desconfia das estatísticas oficiais. Em 2008, foram feitos 17.428 transplantes. No entanto, segundo a Organ Traffic, sem nenhum controle, porque as equipes agem por conta própria em hospitais e necrotérios, como no caso da avó de A.L. No Brasil, existem 1.282 equipes habilitadas em 937 hospitais para realizar tais procedimentos. O mais grave é que o MP paulista descobriu que muitos desses funcionários recebem comissão para conseguir os órgãos. "São quadrilhas que se escondem atrás do nome de captadores e agem sem escrúpulos para cumprir uma demanda", diz Elilda. A freira, que denunciou o drama de A.L. à Organização dos Estados Americanos (OEA), e o promotor Porto entendem que deve ser feito um acompanhamento da retirada dos órgãos por agentes públicos. Em 2007, o Ministério da Saúde fez um acordo com o Conselho Federal de Enfermagem de só permitir o procedimento de extração de córneas com a supervisão de um enfermeiro.

O ministério, porém, alega que a fiscalização cabe às secretarias estaduais.


Organizações como a de Elilda, amparadas em números da ONU, calculam que a máfia do tráfico de órgãos movimenta no mundo entre US$ 7 milhões e US$ 12 milhões ao ano. Nesse mercado existe até uma tabela de preços que orienta a comercialização de partes do corpo humano entre os países. Um coração vale R$ 100 mil, um rim R$ 80 mil e as córneas chegam a custar R$ 20 mil. Vende-se de tudo. "Há ofertas de fígado, pulmão e até do cadáver inteiro", denuncia Elilda. "Na maioria dos casos, os traficantes comercializam na internet", conta.

Foi através da rede mundial de computadores que o empresário paranaense Mércio Eliano Barbosa conseguiu comprar, em abril do ano passado, um cadáver por R$ 30 mil para forjar a própria morte. A história de novela deu certo em sua primeira etapa. Mércio ganhou atestado de óbito, corpo, enterro e uma parte do dinheiro até que a polícia descobrisse a falcatrua. "A ideia dele era receber as apólices de três seguros de vida, um nos EUA, de US$ 1,6 milhão, e dois no Brasil, de R$ 300 mil", diz o delegado Robson César da Silva, chefe do Nurce, Núcleo de Repressão a Crimes Econômicos do Paraná. "O absurdo foi tanto que ele esteve no próprio enterro, junto com a irmã e um amigo", conta o delegado. Todos foram presos.

NA mala Lubomira é presa com três corações, um fígado e um pâncreas no carro
As investigações mostraram que a tentativa de golpe teve a colaboração do papiloscopista do Instituo Médico Legal de Curitiba, João Alcione Cavalli, que assina os atestados de óbito. Depois da prisão, descobriu-se que o médico supostamente se envolveu na venda de outros cinco corpos. A investigação continua. Porém, esses não são os únicos casos que envolvem o IML da capital paranaense, que está sob intervenção do próprio governo estadual.

Em agosto do ano passado, a médica legista Lubomira Verônica Oliva foi presa transportando ilegalmente no porta-malas de seu carro três corações, um pedaço de fígado e vísceras. A médica, que também é professora do curso de medicina da Universidade Federal do Paraná, alegou que os órgãos seriam levados para fins de estudos científicos.

PUNIÇÃO O Brasil será julgado pela OEA por combate ineficaz ao comércio de órgãos

O Brasil está sendo acionado em tribunais internacionais e nos próximos dias o governo brasileiro poderá ser condenado na corte de direitos humanos da OEA por não combater com o rigor necessário o tráfico de órgãos. Em 2005, o Congresso Nacional realizou uma CPI para investigar este crime. Os parlamentares comprovaram a existência de uma máfia brasileira e a comissão indiciou nove médicos. Até hoje, nenhum deles foi preso.

segunda-feira, 11 de maio de 2009

SERÁ QUE O FILHO DE LULA TAMBÉM PEGA ÔNIBUS LOTADO???

ISTO É - Edição 2061 - 13/05/2009

Como vivem os irmãos de Lula

A História de seis brasileiros que sofrem com o ônibus lotado, o desemprego e a violência, como a maioria da população, embora sejam da família do presidente da república

por Alan Rodrigues e Frederic Jean (fotos)


OS SILVA Pela primeira vez, Jaime (no alto), Marinete, Vavá, Maria, Frei Chico e Tiana
revelam o que mudou em suas vidas com a chegada do irmão à Presidência da República

Uma parte do teto da sala da casa do marceneiro aposentado Jaime Inácio da Silva, 72 anos, está sem pintura. Morador da periferia de São Bernardo do Campo, ele vive com a família em um imóvel de dois quartos. Como a reforma já dura anos, foi surpreendido pelo desemprego da filha, Regina, antes de completar o acabamento. "A tinta acabou e não deu para comprar mais", desculpa-se ao visitante. Ele sabe de cabeça o preço de um saco de cimento, um metro cúbico de areia ou uma caixa de ladrilho hidráulico.

No Brasil, quatro em cada dez aposentados brasileiros não conseguem viver com o benefício que recebem do Estado. Jaime é um deles. Há 14 anos, ele complementa sua renda fazendo bicos. Até dezembro, saltava da cama às cinco da matina, sacolejava por uma hora e meia no ônibus lotado até chegar à capital paulista, onde trabalhava em uma empresa metalúrgica. Com a crise financeira, a firma diminuiu o ritmo da produção de peças e Jaime foi colocado em férias remuneradas. "A barra tá difícil", diz. Nos últimos dias, ele trocou a metalurgia pela máquina de costura e passou a ajudar Regina, costureira acidental.

Há pouco mais de seis meses, Jaime chegava do trabalho e foi rendido no portão por quatro assaltantes. Os homens o fizeram entrar e saíram de lá com a televisão - um dos poucos bens de valor da família, ao lado da máquina de costura. Com sacrifício, conseguiu comprar outro aparelho. Afinal de contas, trata-se de sua única diversão. E ele precisa, pois a distração é parte do tratamento de um câncer na garganta que o fez passar por 40 sessões de radioterapia. Jaime viveu seu drama sem jamais pedir nada ao homem mais poderoso do País - por acaso, seu irmão, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Por um simples motivo: aos olhos de muitas pessoas, a história de Jaime é um drama.

Mas a família de Lula aprendeu a conviver com as adversidades e a enfrentá-las. E elas, hoje, são muitas. "Lula foi eleito para resolver os problemas do Brasil e não da família Silva", resigna-se Jaime, sem citar que as duas coisas se confundem. Desde a ascensão de Lula ao poder, quase nada foi alterado no destino e na rotina dos seis irmãos do presidente. Na última semana, pela primeira vez, todos eles aceitaram receber em suas casas uma equipe de reportagem e ISTOÉ constatou que os outros filhos de dona Lindu e seu Aristides continuam a viver como brasileiros comuns. Da mesma forma que consideraram normal a morte, ainda na infância, de quatro irmãos e assistiram ao mais velho, Zé Cuia, sucumbir à doença de Chagas.

Anormal para eles é mesmo ser irmão de presidente. "É um inferno", diz José Ferreira de Melo, o Frei Chico. "Perdemos toda a nossa liberdade", reclama Genival Inácio da Silva, o Vavá, ex-metalúrgico e funcionário público aposentado da Prefeitura de São Bernardo. Todos têm orgulho da vitória de Lula, mas contam nos dedos os dias que faltam para chegar 2011 e têm horror de pensar em um terceiro mandato.

Ao contrário do que boa parte da população possa imaginar, ter um irmão no Palácio do Planalto, para eles, causa muito mais dissabor do que alegria. O melhor exemplo é o que aconteceu com Vavá. Em 2005, ele foi acusado pela Polícia Federal de montar um escritório de lobby para empresários atuarem em prefeituras petistas e na Esplanada dos Ministérios. Na época, a PF invadiu sua casa, juntou documentos e não encontrou nada que provasse a denúncia. "Até gostei, verificaram minha vida e viram que não tenho nada de sujeira", diz. "As pessoas não aceitam que os irmãos de Lula não tenham nada." Ele também sofre com problemas de saúde.

OS SILVA SE ORGULHAM DO PRESIDENTE, MAS RECLAMAM QUE
PERDERAM A LIBERDADE

Nos últimos seis anos, passou por seis cirurgias - uma na coluna e cinco nas pernas para resolver problemas de circulação. Com dificuldades para caminhar, montou uma enfermaria na sala de casa. Vavá acredita que a saúde ele recupera logo, mas a liberdade só mesmo depois de o irmão deixar o poder. "Temos a vida vigiada, a gente vive grampeado", diz. O episódio da PF não trouxe só prejuízo a Vavá. Sua filha foi demitida do emprego porque o dono da firma em que ela trabalhava achou que a sobrinha do presidente dentro de sua empresa também poderia atrair a atenção de espiões. "Desde então, estou desempregada.

Estou ganhando a vida fazendo um trabalho para uma banda de música de forró. Mas sou especialista em tecnologia de informação", diz Andréa, que, como dois de seus primos e, diga-se de passagem, 9% da população brasileira, está procurando emprego.

Irmã mais velha do presidente, Marinete Leite Cerqueira, 70 anos, também atribui o desemprego da filha ao partido de Lula. "Esse menino do PT que assumiu a prefeitura (Luiz Marinho, prefeito de São Bernardo) demitiu a minha filha. Agora ela está desempregada, tem 51 anos e precisa muito do emprego. Foi uma judiação", diz ela, enquanto pendura roupas no varal. Sua filha era comissionada e foi obrigada a ceder lugar a quem fez concurso. Além do desemprego da filha, Marinete está triste porque perdeu o marido recentemente.

Ele morreu de infarto dentro de casa. "Foi uma pena, estávamos acabando a reforma", conta ela, doméstica desde adolescente - trabalho que a deixou com problemas de coluna e a obriga a fazer RPG e sessões de acupuntura. Marinete está feliz, porém, com o filme Lula, o filho do Brasil. Apaixonada por televisão, sobretudo novelas, Marinete não se conteve quando ficou cara a cara com Glória Pires, que fará o papel de dona Lindu. "Eu não acredito que estou ao lado de você, Glória Pires! Não pode ser verdade", disse ela, como todo fã diante de um ídolo.


"Lula não foi eleito para resolver os problemas da família Silva"
Jaime Inácio da Silva, 72 anos, marceneiro aposentado
Assim como Vavá, Frei Chico também clama por liberdade. "Tenho a sensação de viver pior que na época da ditadura. Você não pode sequer comprar um carro melhorzinho, reformar a casa ou viajar, que logo as pessoas vão falar: 'Tá vendo, ele é irmão do Lula'", diz ele, que nunca vestiu uma batina e assumiu como apelido o codinome dos tempos de militante comunista.

Revoltado, Frei Chico continua o discurso: "O problema que ninguém sabe é que, no meu caso, junto veio um carnê de 48 prestações de 800 pratas." O carro melhorzinho é um Honda Civic, câmbio automático, ano 2005. Ele é o único irmão motorizado. "Se a filha do Fernando Henrique Cardoso, que recebia salário de mais de R$ 7 mil do Senado sem aparecer no trabalho, fosse de nossa família, a desgraça estava feita", critica Frei Chico, metalúrgico aposentado e responsável pela entrada de Lula no sindicalismo.

Assim como Marinete, ele também sofre com dores na coluna e quinzenalmente pratica sessões de RPG. Todos os dias faz caminhada e uma parada obrigatória para tomar café e fumar um cigarro com motoristas de táxi no ponto da igreja matriz da cidade. Como um bom político, cumprimenta a todos com bom humor e brincadeiras. Tem um sonho para assim que o irmão deixar a Presidência: "Como comunista, quero ir a Cuba com minha família. Já até recebi convites, mas, se eu aceitar, no outro dia o mundo cai."
"Esse menino do PT que assumiu a prefeitura demitiu a minha filha"
Marinete Leite Cerqueira, 70 anos, dona de casa
"As pessoas não aceitam que os irmãos de Lula não tenham nada"
Genival Inácio da Silva, o Vavá, 69 anos, metalúrgico aposentado

"Como comunista, quero ir a Cuba. Se aceitar um convite, o mundo cai"
José Ferreira de Melo, o Frei Chico, 67 anos, metalúrgico aposentado
Entre os Silva, a irmã Maria Ferreira Moreno, a "Maria Baixinha", é a que mais preocupa a todos, principalmente o presidente Lula. Como 70 milhões de brasileiros, Maria tem problemas com a obesidade e já chegou a pesar 80 quilos - perdeu 17. No começo do mandato do irmão, quando ela apostou com a apresentadora Ana Maria Braga que perderia 15 quilos em três meses, perdeu dois a mais e ganhou um automóvel Corsa como prêmio.

O carro foi dado de presente ao filho, que trabalha como caminhoneiro. Há cinco anos, Maria perdeu o marido e entrou em depressão profunda, voltou a engordar e chegou aos 94 quilos, mais que excessivos para quem mede apenas 1,38 m. "Comia uma torta doce de dois quilos na madrugada", revela. Além da obesidade, teve hipertensão e diabete. Há três anos, Maria resolveu fazer uma cirurgia de redução de estômago e perdeu 44 quilos.
Quando pensou que seus problemas de saúde estavam sob controle, há 11 meses, recebeu o diagnóstico de câncer de mama. O choque com o resultado voltou a balançá-la emocionalmente e, desde então, vive praticamente em reclusão. Tem evitado até a família. Perdeu mais dez quilos.
Com apenas um filho, Maria é quem mais conversa com o presidente. "Toda semana nos falamos e ele vem muito a minha casa", conta. Maria vive da aposentadoria do marido e mora numa edícula de um quarto nos fundos da casa do filho e da nora. Além da quimioterapia, ela terá que se submeter a uma cirurgia no ombro esquerdo nos próximos dias, por causa de uma queda em casa. "A prótese que eu tinha colocado por causa de uma bursite saiu do lugar", conta.

Aos 59 anos, a caçula dos Silva, Tiana, também teve uma das filhas demitida depois que o irmão chegou à Presidência. "Minha filha foi demitida do trabalho assim que o Lula ganhou a eleição. O chefe dela não quis ter a sobrinha do presidente dentro de sua empresa", lamenta. A moça é outra costureira na família Silva, pois ainda não conseguiu emprego.

SÓ UM IRMÃO DE LULA TEM CARRO, TODOS MORAM EM CASAS SIMPLES E TRÊS SOFREM COM DOENÇAS GRAVES

Bemhumorada, apesar de tudo, Tiana conta aos visitantes a maior curiosidade de sua biografia. Seu nome, na certidão, é Ruth. Quando foi registrada, o funcionário do cartório achou o nome Sebastiana, dado por dona Lindu, muito feio, e mudou sem falar nada a ninguém. A mãe, analfabeta, nem percebeu a troca.

"Toda semana nos falamos e o Lula vem muito a minha casa"
Maria Ferreira Moreno, 66 anos, dona de casa

Apesar da boa conversa, Tiana detesta aparecer e odeia fotos. Natural para quem leva a sua vida de trabalhadora e, de jeito nenhum, gostaria de ser reconhecida na rua. Faz tudo pelo anonimato. Servente em uma escola do Estado, na periferia da capital, Tiana pega o ônibus às cinco da manhã todos os dias para, no fim do mês, como outras 18 mil agentes escolares, receber pouco mais de R$ 600.

Há pouco tempo, na agitação da cozinha da escola, Tiana escorregou na comida que os alunos deixaram cair no chão e caiu, quebrando o tornozelo. Só na última semana abandonou a bengala e começou a fazer fisioterapia. Assim como 90% das mulheres brasileiras, Tiana ainda dá duro com a dupla jornada de trabalho. Ela deixa o serviço e continua a rotina de dona de casa, principalmente cozinhando. Mas não reclama de nada. "Essa é a vida como ela é", diz. Pode ser. O certo é que é a vida dos Silva.
"O chefe de minha filha não quis ter a sobrinha do presidente na empresa"
Tiana, 59 anos, merendeira

domingo, 3 de maio de 2009

SE DANDO BEM - SERÁ QUE O JUDICIARIO TAMBÉM APODRECEU?

REVISTA Isto é

Edição 2060 - 06/05/2009
Contrariando uma norma do STJ, o ministro Carlos Alberto Direito, do STF, fazia uso de privilégios para favorecer familiares e amigos nos embarques e desembarques no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro

DOZE PEDIDOS Documentos do STJ mostram que a família de Direito
solicitou upgrade à Air France e "atendimento especial" à Receita e à PF

ANTIGOS PRIVILÉGIOS...

FAVOR PARA O FILHO Pedido de atendimento especial à Receita, à PF e à Infraero para Carlos Gustavo Direito e a mulher, Theresa, que chegavam de Paris

Na mesma semana em que a Câmara dos Deputados se viu pressionada pela opinião pública a acabar com a chamada "farra das passagens aéreas", documentos obtidos com exclusividade por ISTOÉ demonstram que, na Esplanada dos Ministérios, a obtenção de privilégios pessoais ou para parentes, graças à função pública, não estava restrita ao Legislativo. Doze ofícios do Superior Tribunal de Justiça (STJ), emitidos entre fevereiro e dezembro de 2008, revelam que familiares e amigos do ministro Carlos Alberto Menezes Direito, do Supremo Tribunal Federal (STF), tinham acesso a um esquema VIP nos embarques e desembarques internacionais no Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro.

Assim, era possível ir a Paris numa classe superior à determinada pela passagem e voltar de Miami sem passar pelos trâmites impostos pela Receita Federal aos cidadãos comuns, que muitas vezes se veem obrigados a abrir as malas nos saguões de desembarque. Familiares e amigos do ministro também não ficavam nas filas que antecedem os equipamentos de raio X da Polícia Federal e tinham franqueado acesso a áreas restritas do aeroporto.

O Superior Tribunal de Justiça tem, no Rio de Janeiro e em São Paulo, representações destinadas a facilitar o deslocamento dos ministros quando estão a serviço da corte. Direito foi ministro do STJ durante 11 anos, mas em agosto de 2007 o presidente Lula o indicou para o Supremo Tribunal Federal. Direito, contudo, continuou a usar a estrutura do outro tribunal para facilitar o trânsito da mulher, dos filhos, da nora e de amigos no Aeroporto Internacional do Galeão.

Em 10 de fevereiro do ano passado, por exemplo, Carlos Gustavo Vianna Direito, juiz do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, e sua mulher, Theresa Direito, chegaram ao Aeroporto Internacional Antônio Carlos Jobim, no Rio de Janeiro, às 7h25. Viajaram no voo 0442 da Air France, procedente de Paris. Três dias antes, em 7 de fevereiro, o ofício 018/08 do Superior Tribunal de Justiça, informava ao inspetor-chefe da Receita Federal no aeroporto, Elis Marcio Rodrigues e Silva, que Carlos Gustavo é filho de Carlos Alberto Menezes Direito, ministro do Supremo Tribunal Federal, e solicitava que ele e a mulher recebessem "atendimento especial para o desembarque".

O documento do STJ pede ainda que tanto o ministro Direito como sua esposa, Wanda, possam ter acesso "à área restrita do aeroporto" para se encontrar com o casal. No mesmo dia, o então chefe da representação do Superior Tribunal de Justiça no Rio de Janeiro, Wagner Cristiano Moretzsohn, expediu outros dois ofícios. O de número 017/08 foi encaminhado a Paulo Roberto Falcão Ribeiro, delegado da Polícia Federal no aeroporto Antônio Carlos Jobim, e o de número 016/08 teve como destinatária a coordenadora de comunicação social da Infraero no aeroporto, Izabel Iria D'Abbadia. O conteúdo deles é idêntico ao que fora encaminhado à Receita Federal. "Os documentos mostram que, a pedido do tribunal, esses passageiros podem ter saído do avião e entrado em um carro sem passar pela alfândega ou mesmo pelo terminal do aeroporto", explicou à ISTOÉ um funcionário da Infraero no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro.
Em 17 de julho do ano passado, Moretzsohn encaminhou um outro ofício do Superior Tribunal de Justiça ao inspetor-chefe da Receita no Aeroporto Antônio Carlos Jobim. Nele, o ex-chefe de representação do STJ no Rio solicita "atendimento especial" para a promotora de Justiça Luciana Direito, filha do ministro do STF, e também pede para que o pai ministro possa ter acesso à área restrita do aeroporto. "Não existe na legislação previsão sobre atendimento especial no embarque ou desembarque para autoridades, seus filhos ou amigos", disse à ISTOÉ Valéria Barbosa, chefe de comunicação social da Receita Federal em Brasília.

Luciana desembarcou às 8h05 do vôo 0247 da British Airlines, procedente de Londres, em 21 de julho do ano passado. A chegada da promotora Luciana ao Brasil contou com os mesmos privilégios dados em fevereiro a seu irmão e a sua cunhada. Além da Receita, ofícios com conteúdo semelhantes foram encaminhados pelo STJ aos representantes da Polícia Federal e da Infraero no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro. "Os parentes dos ministros costumam chegar de viagem carregando cinco ou seis malas gigantes e passam direto pela alfândega", disse à ISTOÉ uma fiscal da Receita Federal no aeroporto Antônio Carlos Jobim, na tarde da terça-feira 28.

Norma desrespeitada - Além de contrariar a legislação da Receita, os pedidos oficiais em nome do ministro Direito feriram também uma norma interna do STJ. A resolução número 02/2008, assinada pelo presidente Cesar Asfor Rocha, em 29 de outubro do ano passado, estabelece "rotinas administrativas para os serviços de embarque e desembarque dos ministros do Tribunal e para o uso dos serviços das representações no Rio de Janeiro e em São Paulo". No artigo 1º, Asfor Rocha determina que os "serviços relativos ao embarque e desembarque serão privativos dos ministros em atividade, dos aposentados e dos respectivos cônjuges". Nenhuma referência é feita a autoridades de outros tribunais ou a filhos, parentes e amigos dos ministros. Em seguida, determina que "apenas com expressa autorização do presidente os serviços poderão ser estendidos a outras pessoas".

Apesar da resolução interna, Direito continuou usando os privilégios para favorecer parentes. Em 25 de novembro, ofícios do STJ encaminhados à Receita e à Polícia Federal pediam "atendimento especial para o desembarque" de Wanda Direito, mulher do ministro do STF. Ela vinha de Londres, no voo 0249 da British Airlines que pousou no Rio na noite de 27 de novembro, exatos 28 dias depois da assinatura da resolução que limitava o serviço aos magistrados do STJ. Na semana passada, um colega de Direito no STF revelou à ISTOÉ que ele tem insistido para que o Supremo monte estruturas de apoio no Rio e em São Paulo nos moldes das existentes no STJ.
Os documentos agora revelados por ISTOÉ também comprovam privilégios concedidos a parentes e amigos do ministro Luiz Fux, do Superior Tribunal de Justiça. Em 1º de novembro do ano passado, portanto depois da determinação de Asfor Rocha, a filha do ministro, Mariana Fux, e a juíza federal Débora Blaishman desembarcaram do voo 8085, da TAM, procedente de Paris. Ofícios do STJ encaminhados à Receita Federal, à Polícia Federal, à Infraero e à TAM, em 31 de outubro, solicitam que ambas tenham "atendimento especial" no desembarque.

Mudança de classe - O cidadão comum, que paga religiosamente seus impostos, precisa amargar horas e horas nos saguões dos aeroportos em uma rotina que passa por enormes filas de check-in, revistas de agentes da Polícia Federal e inspeções da alfândega. Mas os parentes e amigos dos ministros Direito e Fux não só passam ao largo desse ritual incômodo como ganham até a oportunidade de mudar a classe da sua passagem, o que no jargão das companhias aéreas se chama de "upgrade".

No dia 9 de dezembro do ano passado, por exemplo, o representante do STJ no Rio cita Luiz Fux para pedir os privilégios costumeiros a uma amiga da filha do ministro. Assim, tanto a Polícia Federal quanto a Infraero recebem a solicitação de "atendimento especial" para o embarque da juíza Débora Blaishman, amiga de Mariana Fux. Mas o STJ também encaminhou o ofício 116/08. Ele foi destinado ao gerente da American Airlines no aeroporto Antônio Carlos Jobim, Herlichy Bastos. No documento, o então chefe da representação do tribunal no Rio de Janeiro solicita que "seja providenciado 'special service', 'upgrade' e acesso à sala VIP da companhia" para a amiga da filha do ministro. No dia seguinte, 10 de dezembro, a juíza Débora Blaishman embarcou às 23h35 no voo 0990 da American Airlines, com destino a Miami.

O "atendimento especial" pedido em dezembro do ano passado para a amiga da família Fux atenta contra a norma administrativa do próprio STJ. Mas a solicitação de "upgrade e acesso à sala VIP" endereçada à companhia aérea pode vir a gerar questionamentos na hora do julgamento de diversos processos no STJ. Consulta feita no site do tribunal onde Fux é ministro mostra que a American Airlines é parte em 178 ações.

Em 3 de dezembro de 2008, o gerente da Air France no Aeroporto Internacional do Rio de Janeiro, Antônio Jorge Assunção, recebeu o ofício 112/08 do STJ. No documento, é solicitado que Carlos Gustavo Vianna Direito, filho do ministro do STF, e a juíza Daniella Alvarez Prado tenham acesso à sala VIP da companhia aérea, "atendimento especial e check-in com assento no up deck" do voo 0447 com destino a Paris. Up deck é a nominação do pavimento superior do Boeing 747 usado na ocasião pela Air France em voos intercontinentais. Segundo um funcionário da companhia, era lá que ficava a primeira classe. Em valores atuais, uma passagem Rio-Paris-Rio varia de R$ 3.800 a R$ 6.200 na classe econômica, custa cerca de R$ 9.000 na executiva e R$ 19.600 na primeira classe. A Air France, segundo informação contida nos sites dos tribunais, é parte em 111 processos no STJ e em 50 no Supremo Tribunal Federal. Três deles encontramse sob a responsabilidade do ministro Direito, cujo nome consta no ofício 112/08, expedido depois da entrada em vigor da norma do presidente Cesar Asfor Rocha, limitando este privilégio apenas aos ministros do STJ e suas esposas. Na tarde da quarta-feira, 29 de abril, Istoé entrou em contato com o gabinete de Direito e também com a assessoria de imprensa do STF, mas não conseguiu ouvir o ministro. "Não era coisa específica minha, era coisa do Tribunal. Talvez fosse derivada do relacionamento do chefe da representação do STJ no Rio com os funcionários do aeroporto", disse o ministro Fux referindo- se a Moretzsohn.

"ATENDIMENTO ESPECIAL " Ofício do STJ pediu à Receita, à PF e à Infraero para facilitar o trânsito de Wanda, mulher de Direito, que chegava de Londres

Durante a ditadura militar, Carlos Alberto Direito ocupou a chefia de gabinete do ministro da Educação, Nei Braga. No governo Sarney, foi presidente da Casa da Moeda do Brasil. Chegou a desembargador no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro por indicação do ex-governador Moreira Franco e depois foi para o STJ durante o governo do presidente Fernando Henrique Cardoso. Em 28 de agosto de 2007, já na gestão de Luiz Inácio Lula da Silva, Direito foi escolhido para a vaga de Sepúlveda Pertence no Supremo Tribunal Federal. Ao ser sabatinado para a mais alta corte de Justiça do País, ele passou pelo constrangimento de ouvir uma pergunta do falecido senador Jefferson Peres (PDT-AM) sobre um episódio antigo, que envolvia seu filho.
Direito participou no STJ da votação de um processo milionário contra a Petrobras, em que o filho Carlos Gustavo atuou como estagiário do escritório que representava a parte contrária à estatal. A ação tinha sido movida pela empresa Porto Seguro e a Petrobras chegou a ser condenada a indenizar a seguradora em US$ 3,4 bilhões e a pagar US$ 681 milhões para o escritório que representou a Porto Seguro e no qual trabalhava o filho do ministro. Emocionado, Direito disse aos senadores que o julgamento fora anulado no STJ quando se tornou pública a participação de seu filho no processo. "Toda a minha vida foi dedicada a isso: à honra e à dignidade", disse o magistrado no Senado.


Os documentos do Superior Tribunal de Justiça relacionando os privilégios concedidos aos parentes e amigos dos ministros das mais altas cortes do País são de 2008. No entanto, um ministro do STF ouvido na última semana por ISTOÉ admite que esses benefícios possam ser bem maiores do que os até agora revelados.

Embora os dados relativos ao uso do dinheiro público no Poder Judiciário não sejam tão transparentes quanto os do Legislativo e do Executivo, é possível afirmar que as despesas com passagens aéreas vêm aumentando. Segundo dados levantados pela assessoria técnica do PSDB no sistema que registra todos os gastos públicos do País, o Siafi, o Judiciário gastou, no primeiro trimestre do ano passado, R$ 1,9 milhão com passagens aéreas. Entre janeiro e março deste ano o gasto foi de R$ 2,6 milhões, um aumento de 37,1%.

Os 17 ofícios com pedidos de privilégios no embarque e desembarque de voos internacionais para os familiares e amigos dos ministros Direito e Fux foram assinados por Wagner Cristiano Moretzsohn, que mantinha como auxiliares cinco PMs terceirizados na representação do STJ. No início desse ano, depois de uma sindicância, ele foi afastado do cargo, por determinação do ministro Cesar Asfor Rocha. Os motivos do afastamento não foram revelados, mas denúncias encaminhadas ao STJ o acusam de usar indevidamente carros oficiais, bem como superfaturar o pagamento de manutenção da frota e valores pagos para viagens internacionais. ISTOÉ procurou Moretzsohn, mas ninguém respondia no seu telefone celular.

Também foi constatado pela equipe de Asfor Rocha que as relações de Moretzsohn não são compatíveis com o que se espera de um funcionário importante de uma das mais altas cortes da Justiça brasileira. Policial militar do Rio de Janeiro, Moretzsohn era bastante próximo do ex-deputado Álvaro Lins, ex-chefe de polícia do Estado. Atualmente preso no Complexo Penitenciário de Bangu, Lins foi acusado de corrupção, lavagem de dinheiro, facilitação de contrabando através do Aeroporto Antônio Carlos Jobim e formação de quadrilha.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

GRIPE ESPANHOLA - A HISTÓRIA DA PANDEMIA DE 1918

História

Pandemia de gripe de 1918


Juliana Rocha
Abrigados em trincheiras, os soldados enfrentavam, além de um inimigo sem rosto, chuvas, lama, piolhos e ratos. Eram vitimados por doenças como a tifo e a febre quintana, quando não caíam mortos por tiros e gases venenosos.

Parece bem ruim, não é mesmo? Era. Mas a situação naquela Europa transformada em campo de batalha da Primeira Grande Guerra Mundial pioraria ainda mais em 1918. Tropas inteiras griparam-se, mas as dores de cabeça, a febre e a falta de ar eram muito graves e, em poucos dias, o doente morria incapaz de respirar e com o pulmões cheios de líquido.
Em carta descoberta e publicada no British Medical Journal quase 60 anos depois da pandemia de 1918-1919, um médico norte-americano diz que a doença começa como o tipo comum de gripe, mas os doentes “desenvolvem rapidamente o tipo mais viscoso de pneumonia jamais visto. Duas horas após darem entrada [no hospital], têm manchas castanho-avermelhadas nas maçãs do rosto e algumas horas mais tarde pode-se começar a ver a cianose estendendo-se por toda a face a partir das orelhas, até que se torna difícil distinguir o homem negro do branco. A morte chega em poucas horas e acontece simplesmente como uma falta de ar, até que morrem sufocados. É horrível. Pode-se ficar olhando um, dois ou 20 homens morrerem, mas ver esses pobres-diabos sendo abatidos como moscas deixa qualquer um exasperado”.

A gripe espanhola – como ficou conhecida devido ao grande número de mortos na Espanha – apareceu em duas ondas diferentes durante 1918. Na primeira, em fevereiro, embora bastante contagiosa, era uma doença branda não causando mais que três dias de febre e mal-estar. Já na segunda, em agosto, tornou-se mortal.
Enquanto a primeira onda de gripe atingiu especialmente os Estados Unidos e a Europa, a segunda devastou o mundo inteiro: também caíram doentes as populações da Índia, Sudeste Asiático, Japão, China e Américas Central e do Sul.


O mal chega ao Brasil

No Brasil, a epidemia chegou ao final de setembro de 1918: marinheiros que prestaram serviço militar em Dakar, na costa atlântica da África, desembarcaram doentes no porto de Recife. Em pouco mais de duas semanas, surgiram casos de gripe em outras cidades do Nordeste, em São Paulo e no Rio de Janeiro, que era então a capital do país.

As autoridades brasileiras ouviram com descaso as notícias vindas de Portugal sobre os sofrimentos provocados pela pandemia de gripe na Europa. Acreditava-se que o oceano impediria a chegada do mal ao país. Mas, com tropas em trânsito por conta da guerra, essa aposta se revelou rapidamente um engano.

Tinha-se medo de sair à rua. Em São Paulo, especialmente, quem tinha condições deixou a cidade, refugiando-se no interior, onde a gripe não tinha aparecido. Diante do desconhecimento de medidas terapêuticas para evitar o contágio ou curar os doentes, as autoridades aconselhavam apenas que se evitasse as aglomerações.

Nos jornais multiplicavam-se receitas: cartas enviadas por leitores recomendavam pitadas de tabaco e queima de alfazema ou incenso para evitar o contágio e desinfetar o ar. Com o avanço da pandemia, sal de quinino, remédio usado no tratamento da malária e muito popular na época, passou a ser distribuído à população, mesmo sem qualquer comprovação científica de sua eficiência contra o vírus da gripe.

Imagine a avenida Rio Branco ou a avenida Paulista sem congestionamentos ou pessoas caminhando pelas calçadas. Pense nos jogos de futebol. Mas, ao invés de estádios cheios, imagine os jogadores exibindo suas habilidades em campo para arquibancadas vazias. Pois, durante a pandemia de 1918, as cidades ficaram exatamente assim: bancos, repartições públicas, teatros, bares e tantos outros estabelecimentos fecharam as portas ou por falta de funcionários ou por falta de clientes.

Pedro Nava, historiador que presenciou os acontecimentos no Rio de Janeiro em 1918, escreve que “aterrava a velocidade do contágio e o número de pessoas que estavam sendo acometidas. Nenhuma de nossas calamidades chegara aos pés da moléstia reinante: o terrível não era o número de casualidades - mas não haver quem fabricasse caixões, quem os levasse ao cemitério, quem abrisse covas e enterrasse os mortos. O espantoso já não era a quantidade de doentes, mas o fato de estarem quase todos doentes, a impossibilidade de ajudar, tratar, transportar comida, vender gêneros, aviar receitas, exercer, em suma, os misteres indispensáveis à vida coletiva”.

Durante a pandemia de 1918, Carlos Chagas assumiu a direção do Instituto Oswaldo Cruz, reestruturando sua organização administrativa e de pesquisa. A convite do então presidente da república, Venceslau Brás, Chagas liderou ainda a campanha para combater a gripe espanhola, implementando cinco hospitais emergenciais e 27 postos de atendimento à população em diferentes pontos do Rio de Janeiro.

Estima-se que entre outubro e dezembro de 1918, período oficialmente reconhecido como pandêmico, 65% da população adoeceu. Só no Rio de Janeiro, foram registradas 14.348 mortes. Em São Paulo, outras 2.000 pessoas morreram.

A evolução de um vírus mortal

Ainda hoje restam dúvidas sobre onde surgiu e o que fez da gripe de 1918 uma doença tão terrível. Estudos realizados entre as décadas de 1970 e 1990 sugerem que uma nova cepa de vírus influenza surgiu em 1916 e que, por meio de mutações graduais e sucessivas, assumiu sua forma mortal em 1918.

Essa hipótese é corroborada por outro mistério da ciência: um surto de encefalite letárgica, espécie de doença do sono que foi inicialmente associada à gripe, surgido em 1916.

As estimativas do número de mortos em todo o mundo durante a pandemia de gripe em 1918-1919 variam entre 20 e 40 milhões. Para você ter uma ideia nem os combates da primeira ou da segunda Grande Guerra Mundial mataram tanto. Cerca de 9 milhões e 200 mil pessoas morreram nos campos de batalha da Primeira Grande Guerra (1914-1918). A Segunda Guerra Mundial (1939-1945) responde pela morte de 15 milhões de combatentes.


Leia também:
Atchin! É gripe?

Fontes de informações:
The Influenza Pandemic of 1918 - Human Virology at Stanford/Standford University

KOLATA, Gina. Gripe: a história da pandemia de 1918. Rio de Janeiro: Record, 2002. 382p.

TEIXEIRA, Luiz Antonio. Medo e morte: Sobre a epidemia de gripe espanhola de 1918. Rio de Janeiro: Universidade do Estado do Rio de Janeiro/Instituto de Medicina Social, 1993. 32p. Série Estudos em Saúde Coletiva, n.59.





Imagens retiradas em:
Clube de EngenhariaNational Museum of Health and Medicine/Armed Forces Institute of Pathology, Washington

A GRIPE SUÍNA - UMA PREOCUPAÇÃO MUNDIAL

Tire suas dúvidas sobre a gripe suína
OMS considera a situação uma "emergência de saúde pública de preocupação internacional"

TIRE SUAS DÚVIDAS

O que é a gripe suína?
É uma doença respiratória aguda altamente contagiosa frequente em porcos. Esses animais podem ser infectados, ao mesmo tempo, por mais de um tipo de vírus, o que possibilita que os genes dos vírus se misturem. Por isso, a suspeita dos especialistas é de que a doença que está contaminando pessoas atualmente seja provocada por um vírus que contém genes de várias origens - chamado de recombinante. É um vírus que contém a mistura de genes que provocam a gripe suína, a aviária e a humana.

Quais os riscos para as pessoas?
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera a situação uma "emergência de saúde pública de preocupação internacional". Conforme explicou no domingo o secretário-geral adjunto da OMS, Keiji Fukuda, isso significa que há risco de que a gripe suína se espalhe pelo mundo. Já foi estabelecido nível de alerta de grau quatro - numa escala que vai até seis. Nesse caso, avisou Fukuda, os países serão de tomar medidas muito drásticas, mas não deu detalhes.

Como ocorre a infecção em humanos?
As pessoas, quase sempre, são infectadas pelo contato com porcos. Mas em alguns casos não há histórico de contato nem com porcos nem com ambientes em que esses animais tenham estado - em fazendas ou feiras agropecuárias, por exemplo. Os registros de transmissão da doença entre humanos são limitados a contato muito próximo em grupos de convivência.

É seguro comer porco e produtos de carne suína?
Sim. Não há registro de transmissão da gripe suína por ingestão de alimentos adequadamente preparados. O vírus da gripe suína não resiste ao cozimento em temperatura superior a 70°C, como se recomenda para a preparação de carne de porco e outras carnes para alimentação humana.

E alimentos como presunto cru, patê suíno, salame, salsicha?
Também não existe nenhum tipo de risco em comer esses alimentos.

Há vacina para proteger pessoas?
Não. Esses vírus se modificam muito rapidamente. A vacina atual contra a influenza produzida a partir das recomendações da OMS não contém o vírus da gripe suína.

Como é feito o diagnóstico em seres humanos?
Da mesma forma que numa gripe comum, quando observados os sintomas (febre, dores pelo corpo, cansaço e tosse), recolhe-se material para análise, normalmente o muco expelido pelo nariz e boca.

Por que a gripe suína mata?
Esse vírus tem uma capacidade de atingir os pulmões e não só pode causar uma pneumonia (que leva à morte pela insuficiência respiratória) como predispõe o pulmão a se infectar com outras bactérias que normalmente não causariam essa pneumonia.

Estou em um avião e tem alguém com sintomas de gripe (e não sei qual é). Devo me preocupar?
Devo me preocupar se estiver em um voo internacional que saiu de um desses países onde existem casos confirmados e suspeitos. As pessoas que estão no Brasil, porém, não devem ter paranoia. Por enquanto, não há casos confirmados aqui.

A vacina usada na prevenção da gripe comum pode ajudar no combate da gripe suína?
Pode, ela pode conferir uma proteção parcial. A pessoa pode se proteger ou não, ou pode se proteger de um modo intermediário. A chance maior é que não proteja muito bem, porque o vírus da gripe suína é diferente do que está na vacina. Mas mal a vacina não irá fazer.

Como os médicos sabem diferenciar se é uma gripe comum ou a gripe suína?
Em uma pessoa com suspeita, primeiro, se faz o chamado teste rápido para detecção do vírus influenza. É um kit que existe e que permite indicar a presença do vírus influenza. Se esse teste rápido der positivo, o material colhido é enviado para um laboratório especializado e ali se identifica se o vírus influenza encontrado é ou não da gripe suína.

Estive no México recentemente. Por quantos dias devo me preocupar se posso ter sido infectado?
Geralmente, a incubação da doença dura de 2 até 10 dias. O ideal é que as pessoas observem por 10 dias depois da chegada. Se aparecer sintomas, elas devem procuraras autoridades saúde.

Uma pessoa que está com a gripe suína pode se curar?
Pode. A maioria dos casos está sendo curado espontaneamente. Por enquanto, ainda não se sabe o percentual de cura. Até agora, a gripe suína tem sido menos letal do que a gripe aviária, mas se espalha com mais rapidez, porque é transmitida de humano para humano.

Vou tirar férias e planejei ir para um dos países onde há casos confirmados da doença. Devo remarcar minha viagem?
A viagem para esses lugares deve ser evitada, principalmente para o México. A recomendação é viajar somente em caso de extrema urgência.

Se é a pessoa é contaminada uma vez, faz tratamento e melhora. Ela pode ser contaminada novamente?
Provavelmente não, porque ela adquire uma proteção contra esse tipo de vírus da gripe, mas não contra outros tipos.

A pessoa fica com o vírus "para sempre", mesmo depois de melhorar?
Não. O vírus infecta a pessoa, causa sintomas - ou não - vai embora e depois deixa essa pessoa com uma proteção contra ele. O tratamento, para funcionar, tem de ser feito nas primeiras 48 horas. A medicação é específica.

Vou ao México a trabalho e não tenho como adiar a viagem. O que faço para me proteger?
Fique atento às recomendações de saúde dadas e use máscaras dentro do avião e também enquanto estiver na rua. O governo brasileiro está disponibilizando máscaras nos aeroportos. É uma máscara especial.

PERGUNTAS DO LEITOR

Como surgiu esse vírus?
Ainda não se sabe bem o que aconteceu. É uma mistura de três vírus influenza: da gripe aviária, suína e humana. Provavelmente saiu do porco para o humano e aí se espalhou.

Já existe algum estudo para se obter uma vacina para essa gripe ou não há nada em vista?
Sim, já está se analisando o vírus, e a OMS está trabalhando para isso. O tempo médio para que uma vacina fique pronta é de quatro a seis meses.

Estive na segunda-feira em contato com um conhecido que retornou dos EUA no sábado, após passar uma semana lá. Ele estava muito gripado e tossindo. Terça-feira amanheci gripada. A transmissão pode ser assim tão rápida?
Geralmente, os sintomas demoram no mínimo de 48 a 72 horas para aparecer. Vinte e quatro horas é um tempo muito curto para que apareçam os sintomas.

Não deveria existir uma quarentena para as pessoas que vêm de países que têm a gripe suína?
Essa determinação precisaria partir do governo, mas, além das questões de saúde, existem questões diplomáticas e econômicas a serem consideradas para a adoção de uma medida como essa.

Com que frequência a máscara deve ser trocada ?
O ideal é que a máscara seja trocada em, no máximo, 24 horas.

Quanto tempo o vírus sobrevive fora de um organismo?
Esse vírus não dura muito tempo no ambiente. Não se sabe exatamente quanto, alguns dias em um clima úmido e frio.

Fonte: Luciano Goldani, chefe da unidade de infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre

DICAS PARA SE PREVENIR DA GRIPE:

Higiene: Lave as mãos com frequência. ProteçãoAo tossir ou espirrar, cobrir o nariz e a boca com um lenço, de preferência descartável

Contato: Evite o contato direto com pessoas doentes. Também não compartilhe alimentos, copos, toalhas e objetos de uso pessoal. Evitar tocar olhos, nariz ou boca.